Nem a nossa filosofia, nem nós próprio acreditamos em um Deus, e muito menos em um Deus cujo pronome necessita de uma inicial maiúscula. Nossa filosofia é preeminentemente a ciência dos efeitos pelas causas e das causas por seus efeitos, e já que ela é também a ciência das coisas surgidas do primeiro princípio, segundo a definição de Francis Bacon, antes de admitir qualquer primeiro princípio devemos conhecê-lo, sem o que não temos o direito de admitir nem mesmo sua possibilidade.
Foi lhe dito que nosso conhecimento estava limitado ao nosso sistema solar: portanto, como filósofos que desejam ser dignos do nome, não poderíamos negar nem afirmar a existência do que você qualificou como um ser supremo, onipotente, inteligente, de um tipo além dos limites do sistema solar.
Mas embora tal existência não seja absolutamente impossível, a menos que a uniformidade da lei da natureza se rompa naqueles limites, nós sustentamos que é altamente improvável. Nossa doutrina não conhece meios termos. Ela afirma ou nega, porque só ensina aquilo que sabe que é verdade. Portanto, nós negamos a Deus como filósofos e como budistas. Sabemos que há vidas planetárias e outras vidas espirituais e sabemos que em nosso sistema solar não existe coisa tal como Deus, seja pessoal ou impessoal. Parabrahm não é um Deus, mas a lei absoluta e imutável, e Ishwara é o efeito de Avidya e Maya, ignorância baseada na grande ilusão. A palavra “Deus” foi inventada para designar a causa desconhecida daqueles efeitos que o homem tem adorado ou temido sem entender, e já que nós alegamos que somos capazes de comprovar o que alegamos – isto é, que conhecemos aquela causa e outras causas – temos condições de sustentar que não há Deus ou Deuses atrás daqueles efeitos.
A idéia de um Deus não é uma noção inata, mas adquirida, e nós só temos uma coisa em comum com as teologias – nós revelamos o infinito. Mas enquanto atribuímos causas materiais, naturais, sensíveis e conhecidas (por nós pelo menos) a todos os fenômenos que procedem do espaço, da duração e do movimento infinitos e ilimitados, os teístas atribuem a eles causas sobrenaturais, inteligíveis e desconhecidas.
O Deus dos teólogos é simplesmente um poder imaginário, um bicho papão. Nossa principal meta é libertar a humanidade deste pesadelo, ensinar ao homem a virtude pelo bem da virtude, e ensiná-lo a caminhar pela vida confiando em si mesmo, ao invés de depender de uma muleta teológica que por eras incontestáveis foi a causa direta de quase toda miséria humana. Se as pessoas estiverem dispostas a aceitar como Deus nossa VIDA UNA, imutável, inconsciente em sua eternidade, poderão fazê-lo e assim manter mais um gigantesco equívoco de denominação. Mas então terão de dizer como Spinoza que não há e não podemos conceber qualquer substancia além de Deus... Quem, exceto um teólogo formado no mistério e no mais absurdo sobrenaturalismo pode imaginar um ser auto-existente, necessariamente infinito e onipresente, FORA do universo manifestado que NÃO TEM FRONTEIRAS? A palavra infinito é apenas uma negativa que exclui a idéia de limites. É evidente que um ser independente e onipresente não pode estar limitado por nada que seja externo a ele; que não pode haver nada externo a ele – nem mesmo vácuo, portanto, onde está tal deus? Se perguntarmos para os teístas se o Deus deles é vácuo, espaço ou matéria, eles responderão que não. E no entanto sustentam que o Deus deles penetra a matéria embora ele próprio não seja a matéria.
Quando nós falamos da nossa Vida UNA, também dizemos que ela não só penetra, mas é a essência de cada átomo de matéria; e que, portanto, ela não apenas tem correspondência com a matéria, mas possui também todas as suas propriedades. Conseqüentemente, também é material e a própria matéria. Como poderia a inteligência proceder ou emanar da não-inteligência? “Você insistia em perguntar. “Como poderia uma humanidade inteligente ter evoluído a partir de um lei ou força cega!” Mas um vez que raciocinamos nesta direção, eu posso perguntar por minha vez, como poderiam deficientes mentais congênitos, animais que não raciocinam e o resto da ‘criação’ ter sido criados ou haver evoluído a partir de uma Sabedoria Absoluta, se esta última é um ser pensante inteligente, o autor e governante do Universo? Como? “Deus fez o olho e não enxergará?” Deu fez o ouvido e não escutará?”. De acordo com este modo de pensar eles teriam que admitir que, ao criar um deficiente mental, Deus é um deficiente mental; que aquele que fez tantos seres irracionais, tantos monstros físicos e morais, deve ser irracional...
Nós não somos advaitas, escola não dualista da tradição dos Vedas, mas nosso ensinamento com respeito à Vida Una é idêntico ao dos advaitas com relação a Parabrahma. E nenhum verdadeiro advaita jamais se identificará com um agnóstico, porque sabe que ele é Parabrahma e idêntico em todos os aspectos à vida universal – o macrocosmo e o microcosmos, e sabe que não há Deus separado dele, nenhum criador.
Se há um absurdo em negar aquilo que não conhecemos, é ainda mais absurdo atribuir a ele leis desconhecidas. Segundo a lógica, o “nada” é aquilo do qual tudo pode ser corretamente negado e do qual nada pode ser corretamente afirmado. No entanto, de acordo com teólogos, “Deus, o ser auto-existente, é extremamente simples, imutável, incorruptível; sem partes, sem figura, movimento, divisibilidade ou quaisquer outras propriedades como estas, que encontramos na matéria”.... Portanto, o Deus oferecido à adoração no século XIX perde toda qualidade sobre a qual a mente do homem seja capaz de ter qualquer julgamento. O que é isto, na verdade, além de um ser do qual eles não podem afirmar COISA ALGUMA que não seja negada instantaneamente? A própria Bíblia deles, no Apocalipse , destrói todas as perfeições morais que eles empilham sobre esse ‘Deus’, a menos, de fato, que qualifiquem como perfeições aquelas qualidades que a razão e o senso comum de qualquer homem comum chamam de vícios odiosos e maldade brutal... Quem lê as nossas escrituras budistas, as escritas para as massas supersticiosas, não encontrará nelas um DEMÔNIO tão vingativo, injusto e cruel quanto o tirano celestial ao qual os cristão atribuem perfeições negada em cada página da sua Bíblia. A Teológica criou o Deus dela apenas para destruí-lo pedaço por pedaço. A Igreja de vocês é o Saturno do mito, que tem filhos apenas para devorá-los.
Negamos a existência de um Deus pensante, consciente, com base em que um tal Deus deveria ser condicionado, limitado, sujeito a mudança, e portanto, não infinito. Rejeitamos a proposição absurda de que pode haver, mesmo em universo ilimitado e eterno, duas existências eternas e onipresentes. Se esse ‘Deus’ for descrito para nós como um ser eterno, imutável e independente, sem partícula alguma de matéria em si, então responderemos que ele não é um ser, mas um princípio imutável, uma Lei.
Quanto a Deus, já que ninguém jamais e em tempo algum o viu – a menos que ele seja a própria essência da Natureza, sua energia e seu movimento, não podemos vê-lo como eterno, infinito ou auto-existente. Nós nos recusamos a admitir a existência de um ser do qual nada se sabe; porque não há espaço para ele na presença daquela matéria cujas qualidades nós conhecemos bem, porque se ele é apenas uma parte daquela matéria, seria ridículo sustentar que ele movimenta e governa aquilo de que ele é apenas uma parte dependente e porque se nos dizem que Deus é um puro espírito auto-existente e independente da matéria – uma deidade extra cósmica - nós respondemos que mesmo admitindo a possibilidade de tal impossibilidade, isto é, a existência dele, nós sustentaríamos que um espírito puramente imaterial não pode ser um governante consciente e inteligente, nem pode ter nenhum dos atributos atribuídos a ele pela teologia, assim, um tal Deus se tornaria novamente um força cega natural.
A inteligência torna necessário o pensamento; para pensar alguém deve ter idéias; idéias supõe sentidos, que são físicos e materiais, como pode qualquer coisa material pertencer ao puro espírito?
Nós, budistas, rejeitamos a teoria teísta, rejeitamos ao mesmo tempo a teoria do autômato, que ensina que os estados de consciência são produzidos pela disposição das moléculas do cérebro.
Acreditamos na matéria como natureza visível e produtora de causa e na matéria em sua invisibilidade, com seu movimento incessante que é a sua VIDA.
Nossas idéias a respeito do mal são que o mal não tem existência por si mesmo e é apenas a ausência do bem; existe apenas para aquele que é transformado em sua vítima. Surge de duas causas e, tanto quanto o bem, não é uma causa independente da natureza. A natureza é destituída de bondade ou maldade, apenas segue leis universais quando dá vida ou morte, cria ou destrói. A natureza tem um antídoto para cada veneno e suas leis possuem uma recompensa para cada sofrimento.
O verdadeiro mal surge da inteligência humana e sua origem está inteiramente no homem que raciocina e se dissocia da Natureza. A humanidade, portanto, é a verdadeira fonte do mal. O mal é produto do egoísmo e da ganância, gerados pela ignorância. Pense profundamente e descobrirá que, com a exceção da morte – que não é um mal mas uma lei necessária – e de acidentes, que sempre terão sua recompensa em uma vida futura – a origem de cada mal está na ação humana, no homem, cuja inteligência faz dele o único agente livre da natureza. Não é a Natureza que cria doenças, mas o homem. O destino do homem na economia da natureza é ter uma morte natural provocada pela velhice; salvo acidentes, nenhum homem selvagem ou animal livre morrem devido a doenças. Comida, bebida, relações sexuais, são necessidade naturais da vida; no entanto, o excesso delas traz doença, miséria, sofrimento mental e físico. A ambição ,o desejo de assegurar a felicidade e conforto para aqueles que amamos através da obtenção de honras e riquezas são sentimentos naturais, mas quando eles transformam o homem num tirano cruel e ambicioso, um miserável, um egoísta, trazem miséria indescritível para os que estão ao redor dele; e para nações tanto quanto para indivíduos. Tudo isso então – comida, riqueza e outras mil coisas que deixamos de mencionar – se torna fonte e causa do mal, seja por causa de sua abundância ou devido à ausência. Não é a natureza nem um divindade imaginária que devem ser acusadas, mas a natureza humana transformada pelo egoísmo.
O mal também está nas ilusões que o homem vê como sagradas. A ignorância criou Deuses e a astúcia aproveitou a oportunidade. Além disso, um sentimento constante de dependência a uma Divindade vista como a única fonte de poder faz com que um homem perca toda autoconfiança e o impulso para a atividade e a iniciativa. É um pecado atribuir a um Deus a tarefa de libertar as pessoas de si mesmas. Veja a Índia, veja cristandade, o Islamismo, o Judaísmo e o fetichismo. Foi a impostura dos celro que fez com que estes deuses passassem a ser tão ter´riveis para o homem; é a religião que o transforma no beato egoísta e fanático que odeia toda a humanidade fora de sua própria seita, sem torná-lo em nada melhor ou mais ético por isso. É a crença em Deus e Deuses que faz dois terços da humanidade escravos de um punhado daqueles que os enganam com o falso pretexto de salvá-los. O homem não está sempre pronto a cometer qualquer tipo de maldade se lhe disserem que seu Deus exige o crime? Os camponeses passarão fome e verão suas famílias famintas e sem roupa para alimentar e vestir seu padre e seu papa. Durante dois mil anos a índia gemeu sob o peso das castas, com os brâmanes engordando só a si mesmos. E hoje os seguidores do Cristo e os de Maomé, que foram almas iluminadas e tiveram sua mensagem distorcida pela ignorância dos homens, estão cortando as gargantas uns dos outros em nome de seus respectivos mitos. A soma da miséria humana nunca será diminuída até aquele dia em que grande parte da humanidade destruir, em nome da Verdade e da Compaixão, os altares de seus falsos deuses.
Em nossos templos não há deuses, apenas o respeito à memória do mais iluminado dos homens. Nossos lamas aceitam comida, nunca dinheiro, e em nossos templos a origem do mal é explicada ao povo. Lá são ensinadas as quatro nobres verdades e a cadeia de causação interdependente (nidanas) lhes dá uma solução para o problema da origem do sofrimento e sua destruição.
Leia o Mahavagga e tente compreender, não com a mente ocidental preconceituaosa, mas com o espírito de intuição e de verdade o que o Buda Iluminado diz no 1º Khandhaka. Permita que eu traduza para você.
”Na época em que o abençoado Buda estava em Uruvela, às Margens do rio Neranjara, quando descansava sob a árvore da sabedoria Bodhi, mantendo sua mente fixa na cadeia de causação (nidanas) ele falou assim: ‘da Ignorância (avidya) surgem os samskharas (germes e tendências karmicas estabelecidos em vidas anteriores fruto de impressões deixadas na mente pelas ações e circunstâncias)... os samskharas de natrureza tríplice – produtos do corpo, da fala e do pensamento. Dos samskharas surge consciência, da consciência surgem nome e forma, deles surgem as seis regiões dos sentidos; deste surge o contato, deste a sensação; desta surge a ânsia e desejo, e disso o apego, a existência, o nascimento, a velhice, a morte, a aflição, a lamentação, o sofrimento, o desânimo e o desespero. No sentido inverso, pela destruição da Ignorância, raiz do sofrimento, os samskharas são destruídos, e a consciência deles, nome e forma, as seis regiões, o contato, a sensação, o apego (egoísmo), a existência, nasciemtno, velhice, morte, o sofrimento são destruídos. Assim é a cessação de toda essa massa de sofrimento.”
Sabendo disso, o Ser Abençoado fez esta afirmação solene:
fonte: Cartas dos Mahatmas para A.P.Sinnet"
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